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For Cod's Sake  

Islândia, os meandros de uma indústria pesqueira.

For Cod’s Sake é um documentário fotográfico que resulta das duas viagens que fiz à Islândia e que mostram a relação ancestral que o povo mantem com o mar que lhe cerca. Uma viagem pelo cerne duma sociedade plasmada pela perseverança e resistência numa ilha vulcânica rasgada pela dorsal mesoatlântica e pelo círculo polar ártico. Uma Escandinávia à parte, onde da terra pouco cresce, e onde o mesmo mar que os aparta é mesmo que os alimenta e os torna mais fortes. Um pedaço de terra brava onde o isolamento é elevado a um expoente admirável.

Este compacto de publicações é um apelo à reflexão sobre a forma como olhamos para esse gigante comum. Sobre como o sentimos enquanto entidade que nos dá forma à individualidade e sobre a forma como atuamos quando nos servimos dele com recurso selvagem. Quer nos ponha o pão à mesa, quer nos delicie com o sabor das espécies que nele se abrigam, a conservação dos oceanos é responsabilidade de todos nós.Quando a tua vontade de fazer uma coisa qualquer é grande o suficiente, ela põe-se à frente de tudo. Comanda-te a vida. Assim marquei eu a minha primeira ida para a Islândia sem me preocupar muito com questões de

dinheiros ou outros empecilhos que em última instância sempre se resolvem. Nem que seja às custas de um pouco de fome. Na véspera, em conversa com o meu amigo Henrique Ramos, lembro-me de estarmos a fazer umas contas por alto. Essa conversa começou quando lhe disse que ia ficar um mês e meio e que o dinheiro que tinha não era muito. Somámos os dois mais dois do costume, medindo a vida dispendiosa da Islândia, e depressa concluímos que nem 15 dias me aguentaria por lá. Mas se te atreves a sonhar, o universo compromete-se em guiar-te.

Porquê o mar da Islândia?
A reportagem sobre os bacalhoeiros portugueses levou-me numa viagem de 100 dias pelos mares da Terra Nova. Ali, o atlântico deu-me de tudo. Vontade de fotografar, de escrever e de parar uns dias. Apelou à resiliência e pediu-me para voltar à ação no convés, à luz e à euforia da neve e da chuva falsa trazida pelo vento quando as ondas morrem violentamente no casco do navio. Mostrou-me o sentido de respeito quando o fax trazia os avisos de furacão, e logo depois estávamos ao leme no meio das gigantescas que torciam toda a estrutura do navio. Fez-me parar para sentir, e perguntei vezes sem conta: o que é que eu faço aqui? O atlântico deu-me a percepção da sua própria dimensão,

e da dimensão dos erros e loucuras que o Homem está disposto a cometer, quando se demite do dever de conservar um bem que é de todos, e atreve-se a ferir a entidade que até ali tudo lhe deu: o pão, o caos e a harmonia. Essa majestosa entidade é um dos mais antigos vincos na minha alma e teceu-me a vontade de seguir mergulhando nesta estranha, bela e inconveniente relação que o Sapiens mantém com o mar.Um dia ligou-me o Filipe Santos. A Riberalves fazia 30 anos e queria que publicássemos “Os últimos heróis” e montássemos a exposição no Mercado da Ribeira. Mostrou-me um dia um pdf sobre uma ação de marketing desenvolvida para promover o bacalhau islandês. Impressionou-me a relação que os Islandeses

mantêm com o mar que lhes cerca. A dicotomia de estares de fronte para o mar e pensares que é ele que te retém na ilha, e ao mesmo tempo sentires que a única forma de sobreviveres ali retido é explorando os recursos que se escondem nesse gigante azul.O legado ilhéu que levo comigo perfilou-me a sede de descobrir aquele lugar inóspito. Uma ilha vulcânica rasgada pela dorsal mesoatlântica e pelo círculo polar ártico. Uma Escandinávia à parte, onde o seu isolamento é elevado a um expoente admirável.

Que força é essa que pode cativar alguém a assentar num cenário assim? Povoar o que parecia inabitável.
Segundo o livro das Sagas, a Islândia terá sido finalmente povoada entre 870 e 930, mas muitas outras tentativas foram antes feitas. Depois, demorou pouco mais de trinta anos até que a área cultivável da Islândia estivesse totalmente ocupada. O território era vasto mas a área cultivável muito pouca.
Costuma dizer-se que o que não nos mata nos constrói. Entre 1402 e 1404, e mais tarde entre 1494 e 1495, a peste negra espalhou-se pelo país e matou cerca de metade da população islandesa. Já no Séc. XVIII a varíola voltava a sacudir a sociedade matando desta vez um terço da população.

Quando tudo parecia não poder piorar, deparamo-nos com os relatos da colossal erupção do vulcão Laki em 1783. As cinzas expelidas pelo vulcão espalharam-se durante meses e atingiram toda a ilha, devastando produções agrícolas e extinguindo metade das espécies animais que habitavam o território. A “aflição na névoa” como ficou conhecida a época, levou consigo um quarto da população, que acabou por morrer à fome.No povo ficou gravada a dicotomia: por um lado a ordem contemplativa e um civismo sublime que revela um sentido comunitário aprumado e uma consciência ambiental exemplar, por outro um instinto selvagem que lhes aguça os sentidos e lhes dá o que é necessário para sobreviver na condições hostis em que vivem. 

Rodeada por um mar fecundo, o bacalhau depressa se tornou no “ouro malhado” da Islândia. Um ícone de sobrevivência e a principal moeda da economia nacional. Eis a razão para que numa das faces da moeda unitária da coroa islandesa a imagem gravada seja ainda hoje a de um bacalhau. Dezenas de vilas piscatórias foram tomando lugar ao longo da costa, fazendo do mar o seu quintal e o principal meio de subsistência.Como poderia alguém, em circunstância alguma, ferir uma entidade que tudo lhes dá?

A par da pesca do bacalhau a criação de gado é uma das mais antigas atividades desenvolvidas pelo povo islandês. Por vezes, uma atividade chega mesmo a ser o complemento da outra. Até há relativamente pouco tempo, muitos agricultores viam-se obrigados a migrar temporariamente, deixando as suas quintas no interior do país, para se fixarem em pequenas vilas piscatórias junto à costa. Entre os meses de Janeiro e Abril, altura em que o bacalhau atinge as condições óptimas para a sua captura, trocavam a sua vida de pastorícia pelas artes de pesca.
Com o fim da época da pesca do bacalhau, chegava finalmente o bom tempo. A primavera prolonga os dias, derrete a neve nas montanhas, e traz as aves de volta à ilha.

A vida no campo torna-se mais fácil e convida o agricultor a regressar a casa.Setembro marca o fim do verão. A despedida das aves, que anteriormente pronunciaram a chegada da primavera, diz-lhes que é tempo de recolher o gado que nos meses de verão viveu de forma selvagem nas terras altas, mas que dificilmente sobreviveria quando as montanhas se voltassem a cobrir de neve. Hoje, a criação de gado continua a ser um dos principais meios de subsistência dos islandeses e uma prática que carrega uma carga cultural especial. Mesmo para aqueles cuja vida profissional está longe da vida de campo, a sua ligação à natureza e a hábitos culturais ancestrais, mantêm viva a sede de percorrer as paisagens acidentadas da ilha,

para cuidar o gado que um dia será servido à sua mesa.Hjalti, de azul nas fotografias, é funcionário da Skinney-Thinganes (uma das maiores empresas de pesca do país) e o antigo presidente da Câmara de Hofn. Sempre que pode, Hjalti adora percorrer os impressionantes montes daquela região para ajudar Bjarni e a filha, Harpa, no pastoreio do seu gado.

Sem um único contacto de pescadores quando lá cheguei, restava-me esperar que os barcos de pesca regressassem ao porto de Reykjavik, para poder então contar-lhes das minhas intenções para este documentário fotográfico. Plantei-me vários dias ao frio no porto da capital, e foi assim que acabei por conhecer o Guðmundur. Que homem, que sensibilidade, que empatia...e que pescador. As palavras fluíam de tal forma que nesse dia, a seu convite, escorreguei para dentro da sua embarcação e fiz-lhe companhia no regresso ao porto de Kópavogur, onde vive. Navegámos ao largo da costa oeste islandesa e à chegada convidou-me para jantar em sua casa. Uma espaço nobre, inteligente e acolhedor, construído pelas suas próprias mãos.

Sentia-me em casa e a sua atitude lembrava-me a hospitalidade dos açorianos quando um estranho lhes bate à porta, e logo deixa de ser estranho. Enquanto me aprazia com o borrego feito pela sua companheira, a Linda, ouvia-o falar dos cargos políticos que ocupou na câmara de Kópavogur e da sua paixão pelo mar.Antes de me dar boleia de volta a Reykjavik, ele e o Axel, seu filho, fizeram questão de me levar a um banho termal noturno, uma prática comum entre os islandeses. Voltei a casa e não podia acreditar no calor que aquela família emanava, nem em como de uma espera no porto de Reykjavik acabei num banho termal em Kópavogur. Na madrugada seguinte, às quatro em ponto, Guðmundur e Axel estavam à minha porta para voltarmos ao porto de

Kópavogur, para aquele que seria o primeiro dos muitos embarques que fiz nos mares da Islândia.Embarcações bacalhoeiras como esta, familiares e de pequena escala, são ainda muito comuns na Islândia. Quer de palangre, quer de redes de emalhar, estas embarcações praticam uma pesca seletiva e sustentável, e empregam muita gente.Na próxima publicação vou contar-vos o que está a ameaçar esta antiquíssima tradição.

Em 1984 é finalmente implementado um sistema de quotas, que condicionava as pescas nas águas islandesas e punha fim a um período longo de pesca desordenada. Num país onde a percentagem de bacalhau exportado chegou a atingir 90% da totalidade das exportações, chegar a uma moratória na pesca do bacalhau, como aconteceu na Terra Nova nos anos 1990, poderia significar uma verdadeira catástrofe financeira.
Em 1991, o parlamento islandês aprova uma nova medida na gestão das pescas.

A introdução de um sistema individual de quotas, que atribui uma quota a cada embarcação e permite a comercialização dessa mesma quota entre as embarcações islandesas. Para uma empresa de pesca que opera num mar fecundo como o da Islândia, a quota que detém pode ser diretamente proporcional à sua dimensão financeira.É aqui que a opinião da sociedade Islandesa mais se divide em relação aos assuntos do mar. Por um lado, as empresas de grande escala vão ganhando força com as quotas que vão comprando a

embarcações familiares de pequena escala - como a que vemos nas fotografias - fazendo com que estas vão aos poucos saindo de cena, perdendo-se um pedaço importante da cultura islandesa: a pesca tradicional. Por outro lado, essas mesmas empresas estabelecidas em vilas pequenas, com níveis precários de sustentabilidade, vão ganhando força e empregando cada vez mais gente, trazendo riqueza a estas pequenas comunidades.

Estas fotografias mostram-nos a outra face da moeda. Aquela em que as grandes empresas desempenham um papel de propulsão na economia de vilas pequenas e isoladas.
Hofn é uma vila remota com apenas 1600 habitantes, situada no sudeste da Islândia. Nesta pequena vila está sediada uma das 10 maiores empresas de pesca da Islândia. Distribuídas entre as 8 embarcações de pesca, a fábrica de processamento do pescado, a estalagem de redes, o complexo metalúrgico de fabrico e reparação

de peças navais, e a fábrica de comida de peixe, a Skinney-Thinganes emprega mais de 250 pessoas (ceca de 15% da população), criando estabilidade económica e aumentando consideravelmente a qualidade de vida de todos os habitantes da vila.Com o rebentar das grandes guerras e a vinda dos americanos para o país, a Islândia saltou da idade média, onde a maioria das pessoas vivia em condições muito difíceis, e comprometeu-se com os grandes avanços tecnológicos para crescer sócio e economicamente.

Hoje, o país domina as renováveis aproveitando muito bem a sua condição vulcânica, e as grandes empresas da área das pescas (o sector mais importante do país a par da indústria de processamento de alumínio) estão equipadas com tecnologia de ponta, posicionando-as na vanguarda da indústria mundial de pescas.

Na costa oeste islandesa, a peninsula de Snaefelsness guarda algumas das maiores belezas do país e algumas vilas piscatórias distribuídas em torno do grande glaciar que aí se põe. Por sugestão da Islandsstofa, agência de turismo que que promove a Islândia nos países estrangeiros e parceira deste projecto fotográfico, fui explorar as vilas de Rif e Olasfvik, situadas na costa norte da península. Com a ajuda de Bjorgvin, um dos simpáticos membros da equipa Islandsstofa, acabei por partilhar casa em Rif com um grupo de polacos que trabalham na Sjávariðjan, a empresa da Íris e do Alexander, ou Ale como é conhecido.

A casa é património da empresa e serve para alojar os muitos funcionários que vêm do estrangeiro. Embora com uma estrutura pequena, a Sjávariðjan, especializada na produção de filetes de bacalhau, conquistou o mercado de países da Europa onde, ao contrário de Portugal, o bacalhau é consumido fresco. Ale compra o bacalhau de menor dimensão (o melhor para filetes) que é capturado por várias embarcações que descarregam no porto de Rif e processa-o meticulosamente, aproveitando todas as partes do lombo do peixe. Um equipamento de última geração, a

jacto de água, corta o lombo em várias partes: da parte mais larga do lombo, a de maior espessura é exportada fresca para o Luxemburgo (entre 180 e 1000gr) e a mais baixa em vácuo para a Bélgica (100gr) para fazer sopa ou hamburgers. As restantes partes (também com cerca de 100gr cada) são congeladas e exportadas para o Reino Unido para o conhecido “fish and chips”. O rascunho foi carinhosamente feito pelo próprio. Segue viajando comigo, escondido entre páginas.

Talvez por serem tão conhecidos os seus intensos invernos e os longos dias de escuridão, a Islândia continua a dispor de muitas vagas para quem lá queira trabalhar. Se por um lado nas pescas as vagas a bordo são as mais bem pagas e acabam por ser ocupadas apenas pelos islandeses, em terra, nos grandes centros de processamento, a tendência mostra-nos outra realidade.

Contratos estáveis com facilidades de alojamento ajudam a esquecer o facto da vida na Islândia ser muito cara, e incentiva a imigração para colmatar a necessidade de mão de obra nessas grandes fábricas de processamento de peixe. Habituados a invernos rigorosos e aproveitando-se da grande diferença entre o valor da coroa islandesa e o Złoty, os polacos têm uma grande tradição na prática destas funções um

pouco por todo o país. Beneficiados pela facilidade de alojamento e pelas refeições gratuitas servidas nas cantinas das empresas, no fim do mês há sempre uma sobra para as suas contas-poupança da Polónia.Embora em menor escala, essas vagas são também frequentemente ocupadas por filipinos, bósnios e sérvios, que pelas mesmas razões partem para a Islândia em busca de uma vida melhor.

Esta impressionante fabrica de alimento para peixe é um ícone da eficácia da empresa Skinney-Thinganes. Ligada à fábrica de processamento de por um tubo gigante, todas as sobras das espécies processadas, como a cavala, o arenque ou o bacalhau, são canalizadas para aqui.

Na época de maior captura da cavala, por exemplo, o volume de produção desta fábrica chega a representar 20% do total de produtos exportados pela empresa.A administração da empresa não está apenas empenhada em aproveitar os restos do peixe processado para lucrar com isso. A eficácia energética desta fábrica é uma das

suas maiores preocupações e durante os últimos anos, os motores a gasóleo têm vindo a ser substituídos por motores elétricos, aproveitando a energia hídrica e geotérmica fornecida para alimentar toda a maquinaria.

Quando fazemos uma prospecção pelas vilas piscatórias montadas ao longada costa da Islândia, percebemos que Hofn é uma das que pode bem servir como caso de estudo e ajudar-nos a perceber melhor a importância que empresas como a Skinney-Thinganes, de grande dimensão financeira, têm em pequenas vilas como esta. Empregando mais de 15% da população local, a empresa enfrenta hoje um dos maiores duelos com a natureza. Um duelo em que uma derrota pode significar a retirada de todas as estruturas da empresa desta pequena vila. Um caso de estudo e um exemplo concreto do tipo de consequências que podemos enfrentar com as alterações do clima.

Hofn, cuja tradução para portugês é porto, esteve milhares de anos debaixo do incalculável peso do glaciar, que comprimiu fortemente os seus solo. Hoje, sem o peso do glaciar (que descongelou e recuou) a terra está em descompressão, elevando-se entre 1,3 e 1,7 cm por ano. Este facto, aliado à deposição de sedimentos no mar, trazidos pelo glaciar, está a fazer com que a profundidade das águas à saída do porto de Hofn seja cada vez menor, ameaçando impedir o trânsito de embarcações de maior calado.Para sair do porto, Maggi, o capitão do navio Skinney, mantém o horário controlado, planeando a saída para a baixa-mar, para tentar evitar que as águas vivas do navio embatam

no fundo, como acontece frequentemente.Maggi foi um dos capitães que mais me marcou de todos os embarques que fiz para a recolha deste documentário. Alto, seguro, sereno e extremamente rigoroso, enquanto o bacalhau saía do mar e ia entrando para o parque de pescas, Maggi fazia uma contagem meticulosa da quantidade de exemplares pescados. Ao mesmo tempo, nas colunas da ponte, soavam bem alto temas dos grandes nomes do heavy-metal dos anos 1990, como Metallica, Megadeth e Slayer. Um ambiente pouco comum a bordo dos navios de pesca da Islândia. 

Hofn tem crescido muito nas últimas décadas com a expansão da indústria pesqueira e, nos últimos anos, com a diversificação das espécies que pesca e comercializa. Hoje, um dos produtos mais promovidos pela vila é o lagostim, e por essa razão Hofn é conhecida como a “capital do lagostim”.

Todos os verões, a vila convida os islandeses a participar num festival inteiramente dedicado à espécie, onde se podem provar todo o tipo de pratos confeccionados à base deste pequeno crustáceo.Na Skinney-Thinganes, durante os meses de verão, quando a pesca do bacalhau está em brando ritmo, toda uma ala

do complexo está ocupada em processar e embalar esta iguaria que será depois exportada para todo o mundo.Quando voltarem ao supermercado espreitem os congelados. Pois se houver lagostim há uma grande probabilidade de vir de Hofn.

Ao contrário da frota Portuguesa, que é obrigada a navegar para lá das 2000 milhas da sua costa para poder pescar bacalhau, países como a Islândia e a Noruega (os maiores exportadores de bacalhau do mundo) podem praticar as pescarias a poucas milhas da sua costa. As Indústrias de ambos os países são uma referência no mercado internacional, e o seu produto de uma qualidade inegável. Ao longo da costa islandesa os grandes centros de transformação de bacalhau concentram-se junto aos portos de pequenas vilas, permitindo que o pescado seja processado logo após a sua captura.

Em alguns casos, o bacalhau está pronto para ser exportado antes de se completarem as 24 horas da sua captura. Ou, no caso do bacalhau salgado que vem para Portugal e Espanha, está já nos tanques de salga pronto para ser armazenado até ao dia em que será embalado.Ainda no mar, o peixe é sangrado em água salgada e cuidadosamente guardado em tanques com gelo, cuja capacidade máxima está pensada para evitar que o pescado seja esmagado pelo peso de peixe que é colocado por cima. Ao chegar a terra, os tanques são retirados das embarcações e transportados para a zona de processamento para que o bacalhau seja

imediatamente transformado, independentemente da hora a que a descarga aconteça.Sobretudo na época alta da pesca do bacalhau, as empresas mantêm os centros de processamento em funcionamento durante 24 horas, precisamente para evitar que o tempo entre a captura e o processamento seja muito longo. Este é talvez o maior segredo da qualidade do bacalhau islandês.

Em todos os embarques que fiz nos navios que fazem uso da arte de redes de emalhar, reparei que o nível de capturas acidentais era surpreendentemente baixo. O mesmo já não acontece na arte de cerco quando a frota dirige a sua pesca ao capelin, embora as espécies capturadas acidentalmente sejam também aproveitadas e comercializadas.
Este pequeno pelágico, é uma das principais fontes de alimentação do bacalhau e uma enorme fonte de rendimento para a indústria pesqueira do país.

Uma espécie onde é depositada especial atenção na forma como é explorada, pois a sua pesca excessiva pode trazer consequências graves e afetar os stocks de bacalhau.No caso da Skinney-Thinganes, o somatório das exportações das três espécies de pelágicos que comercializa, chega mesmo a ultrapassar os valores de exportação do bacalhau.O mercado crescente dos pelágicos não só veio fortalecer a economia do país como contribui para a diversificação na exploração dos recursos marinhos, reduzindo o esforço de pesca de

espécies como o bacalhau. O capelin, capturado a bordo destes grandes cercadores, é hoje exportado para o Japão (as fêmeas) e para a Europa de Leste (os machos), representando já 9% dos produtos exportados pela Skinney-Thinganes.Em terra, os machos e as fêmeas são automaticamente separados e todo o pescado é rigorosamente analisado por inspetores japoneses que trabalham para a empresa compradora, para garantir que se mantêm os parâmetros de qualidade exigidos.

Depois da experiência a bordo do navio bacalhoeiro português Joana Princesa, dei por mim muitas a pensar nas diferenças operacionais entre a frota portuguesa e a frota islandesa. E embora seja absurdo compararmos as duas, houve uma diferença que por alguma razão me marcou mais do que as outras.
Quando os portugueses embarcam, embarcam por vários meses, permanecendo em mar alto sem contacto com terra durante todo esse tempo. Talvez por isso, a necessidade de manter a ordem no navio possa ser interpretada de outra forma. Talvez por isso o fosso entre tripulantes de convés e oficiais seja tão grande. Tão grande ao ponto de dormirem em andares separados e comerem em salas diferentes.

 

Por isso não será de estranhar a minha surpresa quando por exemplo a bordo do Steinnun (o navio bacalhoeiro nas fotografias), Earling, o capitão do navio, comia à mesa com a restante tripulação e vinha frequentemente ao parque de pescas analisar o pescado e ajudar nas tarefas destinadas aos tripulantes de convés.A Islândia continua o seu caminho de crescimento e de amadurecimento, e nem tudo na sua frota é um mar de rosas. Neste embarque em particular, não recordei apenas as cortesias dos oficiais a bordo dos nossos navios bacalhoeiros. Voltei a ver com os meus olhos o colossal poder destrutivo dos navios arrastões. Quando o alar da rede acontece, parece que lhe conseguimos sentir o peso.

Se fecharmos os olhos e nos concentrarmos no ruído do guincho içando a rede, conseguimos afundar na sua desarmonia e visualizar o rasto de destruição deixado nos fundos oceânicos, provocado por esse imponente aparelho.Focando as alternativas que existem, o combate ao uso desses grandes arrastões poderão ser o próximo passo no amadurecimento de uma frota responsável e em ascensão.

Num país como a Islândia onde muitos recursos escasseiam, o desperdício é um luxo ao qual ninguém se pode dar. O capelin é um bem precioso. Não só por ser uma grande fonte de rendimento, mas também por ser um dos principais alimentos do bacalhau.

Na fotografia Ásgrimur, o navio cercador da Skinney-Thinganes acaba de fazer uma lanço que lhe permite atestar os porões, deixando ainda uma grande quantidade de capelin na rede. Prontamente, o capitão chama Bjarni Ólafsson, o navio duma empresa

concorrente que navegava ali ao pé. O navio faz a manobra de aproximação a Ásgrimur para poder colocar o sugador na rede e extrair todo o capelin que já não sobreviveria se fosse libertado.Uma atitude digna, que mostra uma frota de pesca responsável e cooperativa.

Além do capelin, os japoneses têm em Hofn o abastecimento de uma das suas iguarias preferidas.
Através de uma receita doce e salgada, em que o brix (ºBx) é rigorosamente controlado, a Skinney-Thinganes aproveita as ovas do bacalhau que processa para

produzir uma pasta de cor salmão que é exportada para o Japão em barris de 200 litros.O nível de aproveitamento de todas as partes do peixe capturado é surpreendente. Do bacalhau, por exemplo, são aproveitados os lombos, as caras, a bexiga natatória (os

sames) e até a espinha central é exportada. O pouco que sobra é ainda enviado para a fábrica de comida de peixe para ser transformado.

Imortais, mágicos, luminosos, quase divinos, os elfos são pequenos génios que se escondem nas montanhas, e são um importante símbolo de fertilidade. Transmitida oralmente durante a era Viking, hoje, esta mitologia continua bem presente na vida dos islandeses e são inúmeras as referências na literatura ,teatro, música e cinema.
Gunnar Tómasson é uma das referências no panorama das pescas da Islândia e proprietário da Thorfish em Grindavik, uma das maiores empresas de pesca do país.

Na minha visita à cidade tive a oportunidade e o prazer de estar à conversar com ele e absorver a sabedoria deste grande homem.Pescarias à parte, durante a nossa conversa tive tempo para ouvir um punhado de histórias, das quais há uma que mais me marcou, talvez que por mostrar um dos lados mais belos do povo islandês. O lado onde todas as fantasias se fundem com a realidade. Enquanto conduzia e me mostrava as ruas de Grindavik, Gunnar contava-me como eram as coisas na cidade durante a sua infância e como a empresa

cresceu nas mãos do seu pai. Convicto da existência de Elfos, quando chegou à altura de expandir e construir mais um polo da empresa, Tómas, o pai de Gunnar forçou a alteração no projecto de construção, pois acreditava que viviam elfos numa grande rocha que o projecto ameaçava destruir. Hoje, essa pedra é ainda visível junto à fábrica, que foi construída à sua volta.

A importância evidente da indústria das pescas na economia do país levou a Islândia a agarrar os seus recursos marinhos com unhas e dentes. Rodeada por um mar fecundo, a Islândia viu as suas águas invadidas por frotas estrangeiras que se chegavam à costa para carregar os porões de bacalhau. Quando no início dos anos 1950 os stocks de peixe começaram a entrar em falência (em parte por causa da pesca agressiva praticada pelas frotas estrangeiras), deixando a economia do país severamente frágil, os islandeses levantaram-se para reclamar uma zona económica

exclusiva num perímetro de 4 milhas, que proibia as frotas estrangeiras (sobretudo a britânica) de pescar junto à costa. Este era o início de um período longo de guerras no mar que mais tarde ficou conhecido como “as guerras do bacalhau”, das quais a Islândia saiu sempre vitoriosa.Três guerras levadas a cabo pelos civis para expandir a área marítima interdita a frotas estrangeiras, e que em muito contribuíram para a concretização das actuais 200 milhas de zona económica exclusiva estabelecidas internacionalmente. Apesar da tensão no mar com os navios britânicos, em

que os islandeses usavam um dispositivo inovador para cortar os aparelhos de pesca de arrasto da frota inimiga, no final das guerras do bacalhau apenas se registou uma morte. Halldór Hallfreðsson, um engenheiro islandês, morreu electrocutado enquanto reparava o navio da guarda costeira islandesa, “Ægi”, quando o navio foi atingido pela fragata britânica Apollo.A fotografia foi recolhida em Grindavik, umas das vilas que mais de perto sentiu a tensão dessas guerras pelo mar.

A caça corre-lhes no sangue. Em família, devidamente equipados, os islandeses vão frequentemente para o campo e combinam o prazer do duelo com a sede de se manterem ligados ao meio que os rodeia, não importa quão severas as condições se revelem.
Depois dos esforços de quatro guerras altamente dispendiosas, que acabaram por permitir um maior controlo dos stocks de peixe e um aumento do número de capturas, a indústria pesqueira é novamente surpreendida. No anos 1980 um novo problema veio afectar a qualidade do bacalhau, pela qual os islandeses trabalharam anos a fio. Aparentemente saudável, uma larva esbranquiçada alojava-se na carne do bacalhau, pondo em causa o consumo do mesmo.

A imagem de um produto contaminado afectou a cotação do produto no mercado internacional e travou as exportações. A economia do país, sensível, não tardou em ressentir-se de mais esta ameaça e rapidamente envolveu a comunidade científica na busca de uma solução. Um estudo acabou por concluir que o problema estava relacionado com o aumento da população de focas. Phocanema é um parasita que se aloja principalmente em mamíferos marinhos, como a foca. O seus ovos são depois deixados no mar através das fezes e, uma vez fora do seu habitat, a recém transformada larva tende a procurar um novo hospedeiro, alojando-se em crustáceos que estão na cadeia alimentar do bacalhau.A eficácia dos caçadores

foi então trazida a cena pelo governo para controlar o número de focas existentes, passando a subsidia-los por cada foca abatida. Felizmente, a caça à foca acabou por perder expressão no final da década, e é hoje raramente praticada.Hoje, a caça ainda é subsidiada para evitar, por exemplo, que as martas destruam a pouca produção agrícola que resiste. A raça com que Snorri sangra o bacalhau a bordo da Katrin, é a mesma que leva consigo para a caça. À sua responsabilidade está uma área delimitada onde faz o controlo da população destes carnívoros.

Da ponte, Jón dá ordem para a alagem das redes que se prolongará durante mais de três horas. Junto à porta lateral por onde são recolhidas as redes de emalhar, um homem é responsável por cravar o bacalhau, com ajuda de um “puxeiro”, para evitar que se desprenda da rede

e caia ao mar, no momento exatamente antes de entrar no navio. A partir daí cinco homens dispostos ao longo de uma mesa metálica, vão libertando o peixe das redes para que este seja depois sangrado e guardado em gelo até chegar à fabrica de processamento em terra.A arte

de redes emalhar é hoje uma das arte mais utilizadas na pesca Islandesa. Por não ser uma arte muito seletiva, as marcas para a largada das redes têm que ser cuidadosamente escolhidas, para evitar as capturas acidentais.

Todos os anos a Islândia exporta toneladas de bacalhau seco para Portugal. Contudo, de todos os pratos que poderão encontrar ora nas suas casa, ora na restauração islandesa, nenhum é confecionado com bacalhau salgado. E não é muito difícil perceber porquê.
Há mais de 500 anos que os portugueses pescam nos grandes bancos da Terra Nova para trazerem o bacalhau até às nossas mesas.

Na altura, a única forma possível de conservação a bordo era a salga para depois se fazer a seca já em terras portuguesas. Esta condição ter-nos-á ensinado a saborear a tão particular consistência e sabor que o bacalhau adquire depois de demolhado.Ao contrário dos portugueses, os islandeses sempre tiveram o privilégio de poder pescar esta valiosa espécie a poucas milhas da sua costa, permitindo-lhes consumir o bacalhau fresco

ou conservado numa técnica à qual chamam de salga verde. Bem mais simples e muito menos demorada, a salga verde consiste em deixar o bacalhau inteiro de molho em água salgada durante alguns dias, e depois deixá-lo a secar ao ar livre. Ainda hoje, a bordo dos navios bacalhoeiros islandeses é comum ver o bacalhau aberto, pendurado no convés para secar e ser depois consumido pelas tripulações.

Os palangreiros são muito comuns entre os navios da frota islandesa. Fechados da proa à popa, estas embarcações com menos de 15 metros de comprimento são geralmente operadas por tripulações de quatro homens.
No inicio de cada viagem a tripulação faz uma revisão às linhas de aço e aos anzóis, que muitas vezes precisam de ser apertados para voltarem à sua forma original, depois de terem sido abertos pela força do peixe capturado.
À popa, um homem fica responsável por colocar o isco nos anzóis, ao mesmo tempo que as linhas vão sendo lançadas ao mar, geralmente no período da noite.

Depois, ao raiar do sol, uma comporta lateral é aberta e as linhas voltam a ser recolhidas. Durante várias horas um motor vai recolhendo as linhas, enquanto um dos homens vai cravando o bacalhau com um peixeiro, evitando que este se solte no momento em que entra para a embarcação. Nessa mesma altura um dos restantes homens dá o rumo à embarcação e os outros dois vão arrumando o cabo de aço e as linhas com os anzóis que estão a ser recolhidas.Perto dos fiordes de Este acompanhei uma das mais jovens e descontraídas tripulações islandesas. Guðmundur Þorgeirsson era um dos tripulantes do Vigur quando fiz a recolha fotográfica para este documentário. Hoje, Guðmundur deixou Hofn

e mudou-se para Reikjavik, para fazer outra vida que não a do mar. Afastado do mundo das pescas já há algum tempo, Guðmundur confessou-me um dia pelo Messenger que sempre que se olhar ao espelho verá acima de tudo um pescador: “uma vez pescador, pescador para sempre. E nunca deixarei de me ver como um pescador”. 

Durante a época alta da pesca do bacalhau, a demanda pelo escalado salgado dos mercados de Espanha e Portugal, impõe mais ritmo à frota islandesa, levando os seus homens a pescar sob condições extremas.

Navegamos num escuro profundo. São agora as seis da manhã e passaram cinco horas desde que saímos do porto e perdemos de vista as luzes que iluminam as ruas de Hofn. A noite começa a ser tomada por um céu carregado, azul acinzentado, e em torno do navio a única percepção que temos ainda é a das ondas que o vento forte vai fazendo quebrar. A neve que não cessa continua a cobrir o convés de um manto branco e pronuncia um espaço de trabalho severo.

Na ponte, Jón Þorbjörn Ágústsson, o capitão, mantém firme a proa do navio que vai dançando e rasgando as vagas que se atravessam, enquanto ruma à marca onde serão recolhidas as redes. Essa dança sacudida entre o navio e o mar que lhe faz peito mantém a tripulação num sono leve, deixando o corpo e a mente alerta. À medida que os instrumentos de navegação vão dando sinais de aproximação à marca, a tripulação organiza-se para tomar os seus postos de trabalho. Apesar das características desafiadoras pelas quais esta profissão milenar é conhecida no mundo inteiro, o conhecimento empírico de centenas de anos permite-lhes, nesse cenário agitado, encontrar espaço para a introspecção. Não pude deixar de reparar na forma harmoniosa como

cada um tomava o seu lugar no navio, e em como antes de o tomar encontrava um silêncio em si mesmo para organizar mais um dia de labor.Esta é uma profissão ancestral e o pescador é uma das figuras mais respeitadas em toda a Islândia. De todas as atividades profissionais direta ou indiretamente ligadas ao sector das pescas, o confronto no mar é aquela onde dificilmente se encontrarão vagas disponíveis, e aquela de que os islandeses mais se orgulham.

Por fim, estas “visões dos mares da Islândia” terminam com uma fotografia do armazém que curou o bacalhau que está hoje às vossas mesas, e algumas fotografias da sala onde é feita a última revisão antes de ser embalado e enviado para Portugal. Do porto de Hofn,

são enviadas por ano muitas toneladas de bacalhau pescado e processado pela Skinney-Thinganes. A eles o meu muito obrigado por todo o apoio antes, durante e depois da realização deste trabalho. Graças à empresa, grande parte deste trabalho está publicado em livro na I

slândia e pode ser adquirido online aqui: https://www.forlagid.is/vara/lifaedin-lifeline/Intitulado “Lifeline” o livro celebra os 70º aniversário da empresa e presta uma sentida homenagem aos homens e mulheres do mar.

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