Código postal: A2053N
Os últimos heróis
É um trabalho fotográfico que documenta a vida a bordo dos navios portugueses de pesca longínqua. Joana Princesa, um dos 13 sobreviventes da frota branca como é conhecida a frota portuguesa no meio, foi o navio no qual o fotógrafo esteve embarcado durante três meses e meio.
A2053N é o conjunto de carateres que representa a matricula do navio fotografado. Por ano o Joana Princesa faz em média 2 viagens que tomam aos tripulantes cerca de 8 meses. Durante todo esse tempo, sob condições inacreditáveis, a mais de 2000 milhas das suas famílias, o navio torna-se a casa de cada um destes homens.
A ria de Aveiro ainda é uma opção e quase todos ainda a exploram nos períodos que passam em terra. Contudo, a sua sobre exploração, que é agora uma forte ameaça, e o orgulho nos 500 anos de viagens aos grandes bancos da Terra Nova, continua a levar centenas de homens para o mar gelado do Canadá.
Passados 800 anos de uma guerra entre Cristãos e Muçulmanos que se arrastava desde a Idade Média, caía finalmente a última dinastia Muçulmana na Península Ibérica. Em Janeiro de 1492 o sultão Boabdil, rendia-se à dinastia católica do Rei Fernando II de Aragão e da Rainha Isabel I de Castela. A Península Ibérica era finalmente reconquistada e estava agora sob o poder firme daqueles que ficaram conhecidos como os “reis católicos”.
Com a europa sujeita a uma Igreja Católica severa, que proibia o consumo de carne em dois dias da semana, dava-se inicio à grande demanda do peixe. As suas águas ficaram curtas para a quantidade de pescado que era agora exigido.
Em 1497 Giovanni Caboto, natural de Génova em Itália, partia de Bristol ao serviço do império Inglês, convencido de que seria mais curto o caminho marítima para a Ásia rumando a oeste. Contra os planos do explorador este acaba por descobrir a Terra Nova onde desembarcou no dia de São João Batista. Em homenagem ao santo, Giovanni Caboto atribuiria depois o nome de “Saint John’s” àquele que seria mais tarde o porto seguro das tremendas odisseias dos pescadores portugueses à Terra Nova.Durante séculos a fio a frota branca, como era conhecida a frota portuguesa de navios bacalhoeiros, aproveitou os ventos de Este predominantes na primavera, para navegar até aos pesqueiros da Terra Nova. A mais de 2000 milhas das suas casas, os homens permaneciam em faina por largos meses enfrentando condições inimagináveis. Ora entre o espaço apertado que existia entre os pequenos botes empilhados (comummente designados por Doris) e as passadeiras para o corte do bacalhau no convés, ora nas camaratas iluminadas por candeeiros a petróleo, a tripulação rezava com o coração nas mãos para que o numero de homens a bordo no momento do embarque fosse o mesmo que à chegada ao cais dos bacalhoeiros em Aveiro.
Foram muitas as vezes que o nevoeiro cerrado e o mar gelado e agitado venceram a pequenez dos botes com pouco mais de 4 metros de comprimento, levando a vida dos pescadores. A angustia dos homens que experimentaram a fragilidade desses botes e a sensação de estar perdido na imensidão gélida do Atlântico Noroeste jamais será compreendida. No sepulcrário de Saint John’s, as tripulações prestavam as últimas homenagens aos que já não voltaram para descarregar o peixe no fim do dia.
No final da primeira metade do século XX, a frota portuguesa viu os míticos bacalhoeiros à vela serem progressivamente substituídos por navios a motor. A pesca longínqua entrava agora numa nova fase, mais industrial e massiva, em que as técnicas de utilização da linha e anzol foram também substituídas por aparelhos de pesca de arrasto. Hoje, embora com melhores condições a bordo, esses corajosos pescadores, maioritariamente oriundos da Torreira e Murtosa, continuam a prescindir do conforto das suas casas para embarcar nessas longas jornadas piscatórias rumo aos grandes bancos da Terra Nova.
Reportagem publicada na revista
National Geographic Portugal,
em Outubro de 2016.